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Jogos do acaso

Publicado originalmente no Facebook

O dia fazia sua curva final quando, saindo de uma aula, resolvo parar o carro e dar uma espiada na cerimônia de posse da Nova Reitoria da UFSCar. Ao descer o carro observo um senhor de olhos vivos, cigarro nas mãos a apreciar o fim de tarde em frente à biblioteca. Ele olha em minha direção e reconheço os cabelos grisalhos. É Raduam Nassar, cujos livros “Um copo de Cólera” e “Lavoura Arcaica” foram desde quando os descobri uma demonstração da potência de uma linguagem ligada ao que na vida é difícil de nominar.

O fato dele ter abandonado a literatura e os holofotes e ter se dedicado a cuidar da fazenda da família era um acontecimento que reforçava a aura de quem já bem disse tudo e morava num silêncio que ampliava o significado dos textos. Há alguns anos outra grata surpresa. Ele doara parte de sua Fazenda à Universidade para transformar o entorno de uma das regiões mais pobres do estado mais rico do país.

Penso tudo isso enquanto atravesso a rua e percebo um ar amistoso em Raduam, uma curiosidade viva sobre o mundo ao redor por onde dei de passar. Vou até ele, aperto a mão como quando encontra-se um velho amigo. Ele pergunta quem eu sou. Falamos dos tempos difíceis que vivemos.

Ele escolhe a palavra para defini-lo: “sombrios”. Elogia o espetáculo que é a Universidade naquele fim de tarde. Tomando o cuidado para não ultrapassar o limite me despeço com o sentimento de que vivi uma epifania. Nada de frases a mais ou pedidos de fotos que pudessem abalar o espontâneo acontecimento. A decisão de parar o carro, de fazer algo que não havia planejado parece um pouco como um realismo mágico de um conto de Cortázar, mas era Raduam Nassar. Sozinho na volta agradeço aos deuses do acaso.

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